Salve Jorge!A Lenda do Santo Guerreiro
>> quinta-feira, 26 de abril de 2012 –
ESTUDOS
Celebridades declaram sua “devoção” ao capadócio: Zeca Pagodinho gravou a música “Ogum”, cheia de sincretismo, com a oração de “são” Jorge no final feita por Jorge Benjor (que também compôs “Jorge da Capadócia”, interpretada por Caetano Veloso, Fernanda Abreu e Racionais MC’s). Moacyr Luz e Aldir Blanc também prestaram sua “homenagem” em “Medalha de São Jorge”, gravada por Maria Bethânia. Artistas que são verdadeiras figurinhas carimbadas nos terreiros e encruzilhadas deste país.
A banda Angra também usou a imagem do “santo” no seu álbum “Temple of Shadows”, e é até comum ouvir por aí a expressão “vestido com as armas de Jorge”, como fórmula mágica ou vacina contra malefícios. As tatuagens com o “santo” estão entre as que fazem mais sucesso no Brasil. “São” Jorge é “padroeiro” do Corinthians, que fez uma camisa especial com sua imagem.
A famigerada Rede Globo agora anuncia que vai lançar uma novela, escrita pela insuportável Glória Perez, com título “Salve Jorge”. A cúpula global despista dizendo que o enredo não trata de religião, mas sim de “assuntos como tráfico de pessoas, tendo como ambiente o morro do Alemão e a Turquia”. A auto-denominada “escritora” da trama filosofou no twitter que “a fé nele [‘São’ Jorge] existe e vamos mostrar: a fé na força que temos para vencer os dragões que a vida nos reserva”. Mas a emissora já admite alterar o título “para não desagradar o público que não crê no santo católico” (leia-se “evangélico”).
Todo esse rebuliço começou lá na Capadócia (atual Turquia), onde o “santo” teria nascido quase no fim do terceiro século da era cristã. Não se sabe como, ele foi parar em Israel com sua mãe, Lida. Seguiu a carreira militar e logo virou capitão na corte imperial em Nicomédia – de novo sem explicação, reapareceu na Turquia. Também não se explica como ele se converteu, e resumindo, na perseguição movida pelo imperador Diocleciano contra os cristãos no ano 303, o jovem capitão se recusou a venerar as estátuas dos antigos ídolos (suprema ironia!), e foi torturado até a morte. A história é mais ou menos a mesma de Cosme e Damião: duzentos anos depois construíram uma capela para ele e começou a idolatria ao seu redor.
E como se não bastasse a ironia do “mártir-que-combate-a-idolatria-mas-se-torna-ídolo”, ainda há o disparate do dragão. Antes de prosseguir, pergunto: quem aí com mais de 6 anos de idade ainda acredita em dragões? É que o “santo” é sempre retratado lutando com esse bicho imaginário. Pergunto qual o devoto que toparia deixar o mito de lado e aceitaria o “são” Jorge sem dragão. Mesmo que se faça um grande exercício de interpretação e se diga, por exemplo, que o dragão significa a maldade, as coisas ruins, as más energias, até mesmo o Diabo, não se pode negar que o cerne da crença é um conto de fadas hollywoodiano, popularesco e embebido em sincretismo de alta octanagem – precioso ao clero católico, pois permite pescar um número maior de incautos.
Uma vertente do mito diz que, assim como o nórdico caçador de dragões Sigurd, Jorge era filho de um senhor feudal. Sua mãe morreu e o recém-nascido foi roubado pela Dama do Bosque (eu já tinha ouvido sobre a Dama do Lago, aquela que dá a espada Excalibur para o rei Artur, mas essa do Bosque pra mim foi novidade: outro plágio?). Crescido, foi lutar contra os sarracenos e, depois de aventuras por terra e mar, foi para Sylén, na Líbia, onde encontrou um pobre eremita que lhe relatou estar toda a cidade em sofrimento, pois um dragão de hálito venenoso e cuja pele não podia ser perfurada ia matar todo mundo. O monstro todos os dias exigia o sacrifício de uma bela donzela (dragão exigente esse; mas exigia como, por sinais de fumaça?)... Bom, como na lenda do Minotauro, a bola da vez era a filha do rei, e lá se foi o herói enfrentar a fera. Resumindo, Jorge matou o dragão – não se sabe como, pois a pele do bicho era impenetrável, lembra? – levou a princesa para a Inglaterra, e todos foram felizes para sempre.
Outra variante diz que Jorge – dessa vez um marinheiro – acampou com sua armada numa cidade onde havia um crocodilo alado (é isso mesmo) que comia gente, e ninguém podia entrar ou sair, pois o hálito da criatura matava todo mundo (o bafo venenoso impressionava, pois é citado nas duas versões). Os habitantes começaram a sacrificar crianças para aplacar o jacarezão.
Até aí tudo bem, só que quando chegou a vez da filha do rei, uma garota de 14 anos, trataram de arranjar um herói para salvar o couro da princesa. É sempre assim, quando o pobre está no rolo ninguém liga, mas vai mexer com a elite... logo colocam a tropa na rua. Enfim, o bacana foi lá, resolveu a parada, e ainda faturou a princesa. Vejam que a pedofilia é antiga no catolicismo, pois a princesa tinha só 14 anos.
A semelhança com a Bela Adormecida revela a origem medieval dessa mixórdia toda. Pensa-se que os cruzados ingleses foram os primeiros a levar “são” Jorge para Portugal, quando ajudaram Dom Afonso Henriques tomar Lisboa dos mouros em 1147. Tanto que o ponto mais alto da cidade é ocupado por um castelo dessa época que leva o nome do “santo”. Não há consenso, porém, sobre como teria se tornado “padroeiro” da Inglaterra. Acredita-se que foi escolhido quando o rei Artur fez bandeiras com a cena do “santo” e o dragão.
Mas o “santo guerreiro” perdeu pontos por lá recentemente. A rádio BBC perguntou aos ingleses qual o seu preferido, e o eleito foi “santo” Alba! Talvez por que o “papa” Leão XIII (em 1893) trocou o capadócio por “são” Pedro como “padroeiro” da Inglaterra, recomendação que perdura até hoje, ou então por ter sido rebaixado por Paulo VI a “santo menor de terceira categoria” (segundo a hierarquia católica). Ou seja, seu culto seria opcional e não universal. Nesse meio tempo, o político polonês Karol Wojtila, que atendia pela alcunha de João Paulo II e reinou no Vaticano no fim do século passado, o reabilitou como figura de primeira instância e “arcanjo”.
Já no Brasil, onde a mistureba católica atinge níveis inacreditáveis de contaminação, a forte influência da cultura africana ofusca o mito do mártir cristão. No candomblé e na umbanda, ele é associado ora a Ogum, ora a Oxossi, “orixá da lua”. A tradição diz que as manchas na Lua representam o “santo” a cavalo, pronto para defender seus devotos.
As religiões afro seguem uma cosmogonia particular, animista e mais parecida com os cultos indígenas e orientais, mas daí o cristão adotar tudo isto como verdade e ainda insistir que é normal, já é demais. O interessante, que o católico comum parece não enxergar, é que 99% dos cristãos do terceiro século foram torturados e mortos justamente por rejeitar a devoção, a veneração, as homenagens e cultos a – pasmem os senhores – ídolos, deuses, heróis, heroínas . . . representados por imagens!
Mesmo que parte da história seja verdade, o grosso é lenda. Como, aliás, ocorre com a maioria dos mártires. E querer misturar lendas, mitos, contos da carochinha de várias origens com a fé cristã, é o cúmulo do absurdo - até jacaré de asa a cristandade já tem agora. Acho que a única regra de fé e prática para quem diz acreditar em Deus tinha que ser a própria Palavra de Deus, a Bíblia Sagrada e mais nada, que deveria ser lida e ensinada nos templos que se pretendem cristãos.
E a Bíblia é clara quanto a “santos” e assemelhados, doa a quem doer. É simples: se os “santos” já morreram, e se a tentativa de comunicação com os mortos é proibida (Deuteronômio 18:10-12, “Não se achará no meio de ti quem faça passar pelo fogo o seu filho ou a sua filha, nem adivinhador, nem prognosticador, nem agoureiro, nem feiticeiro, nem encantador, nem quem consulte um espírito adivinhador, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz estas coisas é abominável ao Senhor, e é por causa destas abominações que o Senhor teu Deus os lança fora de diante de ti”), logo, quem tenta comunicação com defuntos não está em comunhão com Deus. Isaías 8:19 pergunta: “...acaso a favor dos vivos consultará os mortos?”
E os mortos – “santos”, espíritos “desencarnados”, Maria – não são nossos mediadores, como lemos em I Timóteo 2:5 – “Porque há um só Deus, e um só Mediador entre Deus e os homens, Cristo Jesus, homem”. Pedir auxílio de um “santo”, um morto, um defunto, significa dizer que Cristo é insuficiente!
A oração é uma forma de culto. E foi o Senhor Jesus quem disse: “Ao Senhor teu Deus adorarás, e só a Ele darás culto” (Mateus 4:10). Se prestamos homenagem e pedimos graças a qualquer entidade que não Cristo ressurreto, cometemos idolatria, que Deus abomina e rejeita:
- Não farás para ti imagens esculpidas, nem qualquer imagem do que existe no alto dos céus, ou do que existe embaixo, na terra, ou do que existe nas águas, por debaixo da terra. Não te prostrarás diante delas e não lhes prestarás culto (Êxodo 20:4);
- Não vos voltareis para os ídolos, nem fareis para vós deuses de fundição. Eu sou o Senhor vosso Deus (Levítico 19:4);
- Não fareis para vós ídolos, nem para vós levantareis imagem de escultura nem estátua, nem poreis figura de pedra na vossa terra para inclinar-vos diante dela. Eu sou o Senhor vosso Deus (Levítico 26:1);
- Confundidos sejam todos os que adoram imagens de esculturas, que se gloriam de ídolos inúteis. (Salmo 97:7);
- Os ídolos deles são prata e ouro, obra das mãos do homem. Têm boca, mas não falam, têm olhos, mas não vêem; têm ouvidos, mas não ouvem, têm nariz, mas não cheiram; têm mãos, mas não apalpam, têm pés, mas não andam; nem som algum sai da sua garganta; Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem, e todos os que neles confiam (Salmo 115:4-9 e 135:15-18).
Cuidado com as suas devoções!
fonte: Doa a Quem Doer.