Jesus Cristo era Sacerdote?
>> sexta-feira, 30 de março de 2012 –
ESTUDOS
Sacerdote, onde?
Os únicos sacerdotes de que falam os Evangelhos são os do Templo de Jerusalém (Mc 1,44). Como Zacarias, pai de João Batista (Lc 1,5). De Jesus, nunca se afirma que oficiasse em cerimonias religiosas no Templo.
Tão-pouco o livro dos Atos dos Apóstolos fala de qualquer outro sacerdote, além dos sacerdotes judeus (4,1) ou pagãos (14, 13). Nas Cartas de São Paulo nem sequer aparece a palavra sacerdote, como se o Apóstolo a quisesse evitar de propósito. E as Cartas Católicas e o Apocalipse nunca chamam sacerdote a Jesus em sentido nenhum. Porque damos, então, esse título a Jesus Cristo?
Há um único livro em todo o Novo Testamento que afirma que Jesus Cristo era sacerdote: é a Carta aos Hebreus.
A liturgia era a anterior
Porque razão aparece aqui esta afirmação inusitada? Porque o seu autor tinha que enfrentar dois graves problemas daquela época na comunidade à qual se dirigia.
Em primeiro lugar, os seus destinatários estavam desiludidos pela austeridade e a simplicidade da liturgia cristã. Para entender isto, tenhamos presente que os primeiros cristãos eram todos judeus convertidos. E os judeus estavam acostumados às esplêndidas e vistosas celebrações do Templo de Jerusalém. Basta pensar nas imponentes reuniões que celebravam com dezenas de sacerdotes e levitas, que oficiavam acompanhados de cânticos, música estrondosa e ornamentos; e nos ritos de grande impacte, com os animais a escorrer sangue, as carnes queimadas, as nuvens de incenso e as múltiplas purificações com água. Sobretudo tornavam-se majestosas as peregrinações nacionais que se faziam por ocasião das grandes festas, às quais assistiam multidões de camponeses com a sua espontaneidade, o seu entusiasmo e os seus cânticos.
Um culto aborrecido
O cristianismo, pelo contrário, tinha eliminado tudo isto. Antes de mais, não obrigava a gente a frequentar nenhum templo. O próprio Jesus tinha Dito a uma mulher samaritana que não as pessoas não encontram a Deus no templo, mas no coração (Jo 4,21-23).
Tão-pouco insistia em que as cerimonias de sacrifícios de animais fossem agradáveis a Deus. Ao contrário, punha o acento em viver como irmãos, ajudando-se mutuamente e servindo os outros. O culto e o sacrifício cristão consistiam quase exclusivamente na fé e no amor fraterno, a entrega a Deus e o amor ao próximo. A própria celebração eucarística, que se realizava cada domingo nas casas de família, não se distinguia muito das cenas familiares da vida normal.
Portanto, a sobriedade da fé cristã deveu causar uma enorme decepção no ânimo dos primeiros crentes e muita nostalgia do culto antigo. Face ao espírito religioso judaico, amante do fausto, a pompa e as cerimonias, o cristianismo surgia como uma fé sem culto, empobrecida e desconcertante.
Os personagens de última hora
O segundo problema que o autor da Carta aos Hebreus devia enfrentar era o dos rumores que circulavam de que Jesus não podia ser o verdadeiro Messias porque não era sacerdote. Com efeito, os judeus da época de Jesus esperavam a aparição de três grandes personagens prometidos por Deus para o fim dos tempos: um Sacerdote, um Profeta e um Rei.
A aparição de um futuro Profeta era anunciada pelo livro do Deuteronômio, quando Deus diz a Moisés: «Suscitarei um Profeta como tu de entre os teus irmãos» (18,18). Na verdade estas palavras prometiam que nunca faltariam profetas no povo de Israel, mas pouco a pouco as esperanças populares se tinham entusiasmado com a aparição de um grande profeta semelhante a Moisés para o fim dos tempos.
A promessa de um futuro Rei estava no 2º livro de Samuel, onde Deu diz a David: «Quando chegar o fim os teus dias e repousares com teus pais, manterei depois de ti a descendência que nascerá de ti e consolidarei o seu reino» (7,12). Isto tinha levado os judeus a esperar na aparição de um poderoso Rei enviado por Deus ao seu povo.
Finalmente, a promessa de um futuro Sacerdote para os últimos tempos tinha sido feita por Deus ao sacerdote Eli: «Suscitarei para mim um sacerdote fiel, que procederá segundo o meu coração e a minha vontade» (1 Sm 2,35).
Jesus, um leigo
Ora bem, quando veio Jesus, começaram a descobrir-se nele as diversas características que se esperavam de um enviado de Deus. Foi reconhecido como «profeta» (Mc 9,8), «grande profeta» (Lc 7,16), e até «o profeta» (Jo 6,14). Também foi reconhecido como «rei» (Mt 21,9), o «rei que vem em nome do Senhor» (Lc 19,38), o «rei de Israel» (Jo 12,13). Mas nunca ninguém durante a sua vida o reconheceu como sacerdote nem lhe encontrou qualquer vinculação com os ministros do Templo. E isto, pela simples razão de que para ser sacerdote era preciso pertencer à tribo de Levi, e Jesus pertencia à tribo de Judá. Portanto nunca poderia ter sido aceite como sacerdote. Para o seu povo, Jesus era um leigo.
Por isso os apóstolos nunca pregaram sobre o sacerdócio de Cristo. O próprio São Pedro reconhece em Jesus o profeta prometido (Act 3,22), o Rei esperado (Act 2,36), mas não o sacerdote anunciado.
Os primeiros cristãos, pois, destinatários desta Carta, sentiam-se desconcertados. Aonde teriam ido parar o sacerdócio, os ritos, os sacrifícios, o culto do Antigo Testamento, que durante séculos tinham ocupado um lugar central na espiritualidade de Israel? Podiam desaparecer assim de um golpe? No cristianismo já não tinham qualquer lugar, nem sentido?
Era preciso ter mente poderosa, que dominasse as antigas instituições e conhecesse profundamente a pessoa de Cristo, para poder resolver semelhante problema teológico que perturbava os judeus que queriam passar-se para o cristianismo. E foi assim que, por volta do ano 90, apareceu na cidade de Roma um personagem, de vasta cultura e notável manejo da língua grega, que após analisar cuidadosamente este problema descobriu a solução. Este autor, que para nós permanece anónimo, inspirado pelo Espírito Santo, compôs uma obra chamada atualmente a Carta aos Hebreus, e que constitui o escrito mais fino, melhor construído e mais elegante do Novo Testamento.
O juramento de Deus
O núcleo dos ensinamentos desta carta está nos capítulos 7 a 10. Ali, o autor começa por dizer que Jesus Cristo era sacerdote. Mas, como podia sê-lo, se não pertencia à tribo de Levi? Aí está a chave! O autor afirma que Jesus pertencia a uma “ordem” diferente dos levitas: à “ordem” de Melquisedec. Esta resposta descobriu-a lendo um Salmo, que dizia: «O Senhor jurou e não voltará atrás: “Tu és sacerdote para sempre seguindo a ordem de Melquisedec”» (110, 4).
Para o nosso autor, este antigo Salmo anunciava a futura aparição de uma nova “ordem” de sacerdotes que substituirá os levitas. Pois se Deus tivesse querido que o sacerdócio dos levitas fosse definitivo, que necessidade tinha de anunciar a aparição de um novo «segundo a ordem de Melquisedec»? Portanto o sacerdócio dos levitas, isto é, do Antigo Testamento, com as suas regras, as suas leis e os seus ritos, não podia continuar a existir depois de Cristo.
E que é o sacerdócio «segundo a ordem de Melquisedec»? Para explicá-lo, o autor recorre ao livro do Génesis, capítulo 14. Nele se conta que Melquisedec era um sacerdote de Jerusalém, e que certo dia, quando Abraão passou perto da cidade, saiu ao seu encontro e abençoou-o.
Um sacerdote estranho
Este sacerdote Melquisedec, continua o autor a raciocinar, aparece como um personagem estranho. Antes de mais, não se diz quem era o seu pai, nem a sua mãe, nem os seus antepassados. Normalmente a Bíblia menciona a genealogia de todos os ministros, para demonstrar que pertenciam à pura linhagem de Levi. Mas o facto de não constarem as origens familiares de Melquisedec, indicava que o seu sacerdócio não era levita.
Tão-pouco se conta o seu nascimento nem a sua morte. E isto, diz o autor, só pode significar uma coisa: que Melquisedec não morreu, que permanece para sempre, que é eterno como sacerdote.
E assim, pergunta-se o autor, quem é o único que pode ser sacerdote como Melquisedec? Quem é o único que reúne as duas características dele (ausência de genealogia humana e de limites temporais)? E responde: Jesus Cristo, ao ressuscitar. Porque, ao erguer-se do túmulo, foi como se tivesse nascido de novo, mas sem intervenção de pais humanos (isto é, sem antepassados); e desde então já não pode voltar a morrer (isto é, permanece para sempre).
Portanto Jesus Cristo, embora não fosse sacerdote durante a sua vida terrena, depois de ressuscitar tornou-se sacerdote de uma nova “ordem”, um novo estilo, tal como tinha sido anunciado pela profecia: «Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec».
Nada a ver com o antigo
O autor da Carta aos Hebreus, com a sua genial argumentação, passa logo a demonstrar a superioridade do sacerdócio de Cristo sobre o sacerdócio dos levitas mediante uma série de comparações.
Os sacerdotes levitas eram passageiros, transitórios, porque a morte impedia-os de perdurar; por isso, tinham forçosamente que ser muitos; (de facto, no tempo de Jesus havia mais de 8.000 sacerdotes que oficiavam no Templo de Jerusalém por turnos). Pelo contrário, Jesus Cristo, como sacerdote, nunca mais morre. Permanece para sempre. É eterno. Por isso, o seu sacerdócio é único.
Os sacerdotes levitas, antes de oferecerem sacrifícios pelos pecados das pessoas tinham que oferecer sacrifícios pelos seus próprios pecados, porque eram homens com defeitos e erros. Pelo contrário, Jesus Cristo não necessita de oferecer sacrifícios a Deus pelos seus próprios pecados, porque Ele é absolutamente puro, santo, sem defeito.
Os sacerdotes levitas ofereciam a Deus sacrifícios de animais todos os dias. Tal repetição mostrava que aqueles sacrifícios eram pouco eficazes e não serviam para perdoar pecados. Pelo contrário, Jesus Cristo, com um único sacrifício, o da sua pessoa entregue por amor, obteve o perdão de todos os pecados, e já não fazem falta mais sacrifícios.
Os sacerdotes levitas oficiavam no culto de um Templo terreno, construído por mãos humanas. Pelo contrário, Jesus Cristo para oferecer o seu sacrifício entrou no Templo do céu, isto é, no Santuário eterno, onde habita Deus. E enquanto os levitas entravam no Templo muitas vezes, Jesus entrou uma só vez e para sempre.
Finalmente, os sacerdotes antigos utilizavam o sangue de touros, ovelhas e cabras, quer dizer, sangue alheio, para realizar as suas oferendas. Pelo contrário, Jesus Cristo ofereceu a Deus o seu próprio sangue, puro e sem mancha, para purificar toda a humanidade e restituir-lhe a santidade perdida.
A tríplice barreira
Com o seu estilo brilhante e admirável, o autor da Carta aos Hebreus demonstra que Jesus Cristo não só se tornou sacerdote ao ressuscitar, mas deu origem a um sacerdócio superior e mais abrangente que o dos judeus. Porquê? Porque o sacerdócio judaico provocava uma tríplice barreira em relação às outras pessoas.
a) O sacerdote judeu pertencia a uma casta social selecta, exclusiva: a tribo de Levi. Só eles podiam ser sacerdotes.
b) O sacerdote judeu recebia uma consagração especial de Deus, que as outras pessoas não podiam receber; isto era indicado mediante rituais minuciosos, vestes especiais e adornos de pedras preciosas.
c) O sacerdote judeu estava mais do lado de Deus, que dos homens. Ocupava-se mais do culto e dos direitos de Deus, que das pessoas. (Por isso, quando alguém ofendia a Deus não duvidava em invocar tremendos castigos, e até a morte sobre os pecadores).
Jesus Cristo, pelo contrário, com o seu novo sacerdócio, derrubou esta tripla divisão.
a) Ao não nascer da tribo de Levi, aboliu a exclusividade e abriu o sacerdócio a todos os homens. Todos os baptizados, pois, participam do sacerdócio comum de Cristo.
b) Ao não ser “ordenado” sacerdote com um rito especial, mas sendo-o por cumprir fielmente a vontade de Deus, mostrou que todos os cristãos, quando praticam o amor ao próximo e obedecem ao Pai que está no Céu, são sacerdotes como Ele.
c) Ao colocar-se do lado da gente, ao sentar-se a comer com ladrões e prostitutas, juntar-se com pecadores, e ao não condenar nunca os que viviam erradamente, mostrou que este sacerdócio não servia para “salvar” os direitos de Deus, mas para salvar a vida das pessoas.
Pessoas em vez de animais
O sacerdócio de Cristo, portanto, é diferente do dos levitas do Antigo Testamento. Este tinha por missão sacrificar animais para Deus, oferecer-lhe o seu sangue, que, por ser o símbolo da “vida”, era uma forma de entregar a Deus a vida, de o reconhecer como senhor.
Mas tudo isto não era mais que um símbolo imperfeito, uma sombra, de outro sacerdócio que Deus estava a preparar para depois: o sacerdócio de Cristo. Atualmente, todos os cristãos têm este novo sacerdócio, que se chama o “sacerdócio comum dos fiéis”. E já não consiste em oferecer a Deus a vida de animais, nem o sangue, mas a vida de si mesmo. Cada um deles é sacerdote da sua própria vida, da sua própria existência, e deve oferecê-la livremente a Deus, vivendo conforme a sua vontade. Este é o modo de exercer o novo sacerdócio, para que toda a humanidade seja um dia cheia de Deus, da sua justiça e da sua paz. Coisa que não se podia alcançar com o sangue de animais.
Todo o cristão, pois, é sacerdote da sua própria vida, e é a única “vítima” que deve sacrificar a Deus, mediante um sacrifício de amor aos outros e de fidelidade a Ele. Eis a genial intuição do autor da Carta aos Hebreus.
Sacerdócio para todos
Ainda que não o saibam, todos os cristãos, pelo facto de serem baptizados são sacerdotes. Depois, e para organizar melhor as tarefas na Igreja, uns podem tornar-se ministros (ou presbíteros) e outros trabalhar mais directamente no mundo (como leigos), mas todos são sacerdotes de Jesus Cristo, e participam do seu sacerdócio.
A missão deste novo sacerdócio já não é fechar-se em nenhum Templo, em determinados dias, e praticar certos ritos, mas transformar a terra, a sociedade, a história de todos os dias, com a sua alegria e as suas dores, a sua festa e as suas tragédias, as suas tarefas e desvelos, e orientá-la segundo Deus. Injectar nela uma nova vida, feita de fraternidade, de solidariedade, de amor. Numa palavra: consagrar toda a humanidade para Deus.
Se todos os cristãos exercessem o seu sacerdócio, aquele que foi descoberto pelo autor da Carta aos Hebreus, vivendo a sua vida com fé e exercendo-a no serviço aos outros, tal como Jesus exercia o seu sacerdócio, estariam a praticar o culto verdadeiramente agradável a Deus, e capaz de construir um mundo melhor sobre a face da terra.
Autor: Ariel Valdés
Ele não era Levítico, sendo assim de forma nenhuma em Ysrael seria Sacerdote.
Os apostolos e alguns do povo o chamavam de (HAMASHIA) o Messias, o Salvador, o ungido, Filho de Davi pela genealogia tanto de YOSSEPH quanto de MIrian, O Ungido, por causa da Decscida do Espirito no Batismo.
Gostei muito de suas palavras. Em uma pesquisa sobre sacerdotes encontrei o seu blog, porém só tenho algo a corrigi-lo. Os sacerdotes da Igreja Católica não se comparam ao "sacerdócio de Cristo", uma vez que Cristo não era sacerdote, era Deus. Durante a celebração eucarística o Padre, Bispo ou Papa é revestido de Cristo. É neste momento, em que Deus se encontra, o cobrindo de sua glória. Acho que um artigo tão profundo, não poderia conter afirmações com base no seu ponto de vista sem ter a noção do nosso ponto de vista, uma vez que está falando de nós católicos. Novamente agradeço pela sua publicação.