A VERDADE DIVINA
No Evangelho de São João Pilatos pergunta a Jesus: "És, portanto, Rei?" E, Jesus responde: "Sim, Eu sou Rei! É para dar testemunho da verdade que eu nasci e vim ao mundo. Todo o que é da verdade, ouve a minha voz". "-O que é a verdade?", retrucou Pilatos (Jo 18, 38).
Permanecendo calado, Jesus não teria sido indelicado com Pilatos, que num jogo de cena, parecia vivamente interessado em saber o que é a Verdade. Ou, de maneira zombeteira, estaria insinuando que a Verdade não existe? Não existe verdade... Não é possível vislumbrar nenhuma medida de juízo universalmente válida para todos. Em certo sentido podemos "negociar" nossas verdades.
Mas, a questão sobre a verdade, naquele momento, pareceu ficar no ar... Não seria a Verdade uma falsa realidade? Uma situação passageira, que pudesse ser mudada com o passar do tempo e das conveniências? Esse tipo de verdade, a que muitas vezes preferimos, tem, sabemos, fortes ingredientes humanos e foi construída ao longo do tempo, de maneira emocional, tendenciosa, e seus argumentos, mesmo escamoteados, revelam-se frágeis, inconsistentes, se parecendo, algumas vezes, como "um negócio" entre partes, onde se sobressaem os interesses individuais.
Existindo desde o início da história do homem, e hoje, mais do que nunca, apregoada e ensinada pela "modernidade", a verdade é descartável, fora de moda, inconveniente, inadequada e, na gama de suas variações, é melhor ignorá-la, bani-la de nossas vidas, descaracterizando-a, como Pilatos tentou na ocasião.
Uma leitura mais atenta desse trecho do Evangelho sugere que Pilatos, de maneira enganosa, não estava perguntando para Jesus nada do que ele, Pilatos, já não soubesse em seu coração. Pilatos sabia - que sabia - o que era a Verdade!
É oportuna a observação oferecida pelo Concílio Vaticano II, ao reconhecer que, "na intimidade da sua consciência, o homem descobre uma lei. Ele não a dá a si mesmo, mas a ela deve obedecer. Chamando-o sempre a amar e fazer o bem, evitando o mal, no momento oportuno a voz dessa lei lhe soa aos 'ouvidos do coração'", dizendo-lhe: "Faze isto, evita aquilo".
O homem tem uma lei escrita por Deus em seu coração. Obedecer a ela é a própria dignidade do homem - equilibra-o, dá-lhe significado e o ajusta existencialmente. Como êmulo ético e moral, a verdade nos possibilita conhecer outra: o amor - e é por este amor que seremos julgados, intuímos.
"A consciência é, pois, o núcleo secretíssimo, o sacrário do homem onde ele está sozinho com Deus, e onde ressoa Sua voz" (Gaudium Spes 16). "O homem participa da soberania e da bondade do Criador, que lhe confere o domínio de seus atos e a capacidade de governar, em vista da Verdade e do bem. A lei natural exprime o sentido moral original, que permite ao homem discernir, pela razão, o que é o bem e o mal, a verdade e a mentira" (Catecismo Católico 1954).
Essa lei - divina e natural - mostra e indica para o homem o caminho que ele deve seguir, fazendo a opção correta entre a verdade e a mentira.
Não há motivos para perguntar, como se não soubéssemos: "Onde se acham escritas essas leis? Elas estão escritas no livro desta luz que se chama verdade" (Santo Agostinho - Trin. 14,15,21).
São Tomás de Aquino - nesse particular - nos ensina, quando diz: "A lei natural, outra coisa não é, senão a luz da inteligência, posta em nós por Deus. Por ela conhecemos o que se deve fazer e o que se deve evitar. Esta luz, ou esta lei, deu-a Deus à criação".
Como político de carreira, Pilatos sabia formular perguntas e era hábil no jogo com as palavras. Não porque desejasse aprender novas realidades, mas usava seus dotes para embaralhar as coisas, um tipo de "estratégia", de evasiva tão comum quando desejamos desviar o assunto que nos incomoda, desnudando-nos. Isso ocorre quase sempre! Isso, porque estamos comprometidos com o jogo do poder, com o egoísmo, com os privilégios de classe, com o crime, com a espoliação, com o uso de drogas, com a intemperança da sexualidade, com a preguiça, com os nossos "gostinhos de estimação", com nosso emocional incontrolável, com nossa necessidade de aparecer, escondendo-nos atrás de "nossas verdades", em detrimento da Verdade que mora em nosso coração. Que pena! Como fica difícil e mesmo impossível experimentar a sugestão de Jesus: "Conhecereis (degustareis) a verdade e ela vos libertará" (João 8,32).
Não raro gostamos de admitir - muitos até fazendo poses: "Possuo a verdade!" Nessas ocasiões estamos procedendo como Pilatos, esquecidos de que na melhor das hipóteses "a Verdade é que nos possui e nos convoca". Não a nossa, mas a Dele, do Senhor!
creditos ao meu amigo Mário Eugênio Nogueira