Filipenses 1:18 justificaria o show gospel de hoje?
>> quinta-feira, 4 de dezembro de 2014 –
ESTUDOS
Um amigo no Twitter me perguntou se Filipenses 1:18 não justificaria o evangelho gospel e o show gospel. Acho que ele tinha em mente o festival gospel na Globo e a hipotética novela da Globo com uma heroína evangélica.
Para quem não lembra, Paulo diz o seguinte em Filipenses
1:15-18:
“Alguns, efetivamente, proclamam a Cristo por inveja e
porfia; outros, porém, o fazem de boa vontade; estes, por amor, sabendo que
estou incumbido da defesa do evangelho; aqueles, contudo, pregam a Cristo, por
discórdia, insinceramente, julgando suscitar tribulação às minhas cadeias.
Todavia, que importa? Uma vez que Cristo, de qualquer modo, está sendo pregado,
quer por pretexto, quer por verdade, também com isto me regozijo, sim, sempre
me regozijarei” (Fp 1:15-18).
A interpretação popular desta passagem, especialmente desta
frase de Paulo no verso 18, “Todavia, que importa? Uma vez que Cristo, de
qualquer modo, está sendo pregado, quer por pretexto, quer por verdade, também
com isto me regozijo, sim, sempre me regozijarei” – é que para o apóstolo o
importante era que o Evangelho fosse pregado, não importando o motivo e nem o
método. A conclusão, portanto, é que podemos e devemos usar de todos os
recursos, métodos, meios, estratégias, pessoas – não importando a motivação
delas – para pregarmos a Jesus Cristo. E que, em decorrência, não podemos
criticar, condenar ou julgar ninguém que esteja falando de Cristo e muito menos
suas intenções e metodologia. Vale tudo.
Então, tá. Mas, peraí... em que circunstâncias Paulo disse
estas palavras? Se não me engano, Paulo estava preso em Roma quando escreveu
esta carta aos filipenses. Ele estava sendo acusado pelos judeus de ser um
rebelde, um pervertedor da ordem pública, que proclamava outro imperador além
de César.
Quando os judeus que acusavam Paulo eram convocados diante
das autoridades romanas para explicar estas acusações que traziam contra ele,
eles diziam alguma coisa parecida com isto: “Senhor juiz, este homem Paulo vem
espalhando por todo lugar que este Jesus de Nazaré é o Filho de Deus, que
nasceu de uma virgem, que morreu pelos nossos pecados e ressuscitou ao terceiro
dia, e que está assentado a direita de Deus, tendo se tornado Senhor de tudo e
de todos. Diz também que este Senhor perdoa e salva todos aqueles que creem
nele, sem as obras da lei. Senhor juiz, isto é um ataque direto ao imperador,
pois somente César é Senhor. Este homem é digno de morte!”
Ao fazer estas acusações, os judeus, nas próprias palavras
de Paulo, “proclamavam a Cristo por inveja e porfia... por discórdia,
insinceramente, julgando suscitar tribulação às minhas cadeias” (verso 17).
Ou seja, Paulo está se regozijando porque os seus acusadores,
ao final, no propósito de matá-lo, terminavam anunciando o Evangelho de Cristo
aos magistrados e autoridades romanos.
Disto aqui vai uma looooonga distância em tentar usar esta
passagem para justificar que cristãos, num país onde são livres para pregar,
usem de meios mundanos, escusos, de alianças com ímpios e de estratégias no
mínimo polêmicas para anunciar a Cristo. Tenho certeza que Paulo jamais se
regozijaria com “cristãos” anunciando o Evangelho por motivos escusos, em busca
de poder, popularidade e dinheiro, pois ele mesmo disse:
“Porque nós não estamos, como tantos outros, mercadejando a
palavra de Deus; antes, em Cristo é que falamos na presença de Deus, com
sinceridade e da parte do próprio Deus” (2Co 2:17).
“Pelo que, tendo este ministério, segundo a misericórdia que
nos foi feita, não desfalecemos; pelo contrário, rejeitamos as coisas que, por
vergonhosas, se ocultam, não andando com astúcia, nem adulterando a palavra de
Deus; antes, nos recomendamos à consciência de todo homem, na presença de Deus,
pela manifestação da verdade” (2Co 4:1-2).
“Ora, o intuito da presente admoestação visa ao amor que
procede de coração puro, e de consciência boa, e de fé sem hipocrisia.
Desviando-se algumas pessoas destas coisas, perderam-se em loquacidade frívola,
pretendendo passar por mestres da lei, não compreendendo, todavia, nem o que
dizem, nem os assuntos sobre os quais fazem ousadas asseverações” (1Ti 1:5-7).
“Se alguém ensina outra doutrina e não concorda com as sãs
palavras de nosso Senhor Jesus Cristo e com o ensino segundo a piedade, é
enfatuado, nada entende, mas tem mania por questões e contendas de palavras, de
que nascem inveja, provocação, difamações, suspeitas malignas, altercações sem
fim, por homens cuja mente é pervertida e privados da verdade, supondo que a
piedade é fonte de lucro” (1Ti 6:3-5).
“Eu, irmãos, quando fui ter convosco, anunciando-vos o
testemunho de Deus, não o fiz com ostentação de linguagem ou de sabedoria.
Porque decidi nada saber entre vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado. E
foi em fraqueza, temor e grande tremor que eu estive entre vós. A minha palavra
e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em
demonstração do Espírito e de poder, para que a vossa fé não se apoiasse em sabedoria
humana, e sim no poder de Deus” (1Co 2:1-5).
Portanto, usar Filipenses 1:18 para justificar esta
banalização pública do Evangelho é usar texto fora do contexto como pretexto.
Augustus Nicodemus Lopes