Decifrado recentemente, um texto egípcio de 1,2 mil anos
conta que Jesus teria celebrado a Santa Ceia com Pôncio Pilatos (o juiz que
autorizou sua crucificação, de acordo com os Evangelhos Canônicos), numa
terça-feira e não numa quinta, e que Jesus era capaz de mudar sua aparência
(uma explicação para a maneira que Judas teria usado para ajudar soldados
romanos a identificá-lo na hora da prisão).
De acordo com o pesquisador Roelof van den Broek, que
publicou a tradução em seu livro “Pseudo-Cyril of Jerusalem on the Life and the
Passion of Christ” (“Pseudo Cirilo de Jerusalém sobre a Vida e a Paixão de
Cristo”, sem edição no Brasil), é importante ressaltar que, embora a existência
do relato não possa garantir que as coisas ocorreram dessa maneira, poderia haver
pessoas na época que acreditavam nele.
Café com Pilatos
“Sem maior tumulto, Pilatos preparou a mesa e comeu com
Jesus no quinto dia da semana. E Jesus abençoou Pilatos e toda a sua casa (…)
[depois, Pilatos disse a Jesus] bem, observe, a noite chegou, levante-se e bata
em retirada, e quando a manhã chegar e eles me acusarem por sua causa, eu devo
dar a eles o único filho que tenho para que eles possam matá-lo em seu lugar”.
De acordo com o texto, Jesus teria agradecido a Pilatos por
sua boa vontade, mas recusado a oferta e mostrado que, se desejasse, poderia
escapar de outras formas, desaparecendo em seguida.
Van den Broek lembra que, na Igreja Copta e em igrejas da
Etiópia, Pilatos é considerado um santo, e isso explicaria o retrato mais
amigável que ele recebeu nesse e em outros textos.
Jesus metamorfo
“Então os judeus disseram a Judas: como vamos prendê-lo
[Jesus], pois ele não tem uma única forma, sua aparência muda. Às vezes ele é
corado, às vezes ele é branco, às vezes ele é vermelho, às vezes ele tem cor de
trigo, às vezes ele é pálido como um asceta, às vezes ele é um jovem, às vezes
um velho…”
Se Jesus era capaz de mudar radicalmente de aparência, uma
simples descrição física não bastaria para que os guardas romanos o
identificassem, o que teria motivado Judas a escolher um sinal (um beijo no
rosto, de acordo com os Evangelhos Canônicos).
Embora muitos leitores possam ter achado a ideia curiosa,
ela é ainda mais antiga do que o texto egípcio. “Essa explicação do beijo de
Judas foi encontrada primeiro em Orígenes [um teólogo que viveu de 185 a 254]“,
explica o pesquisador. Na obra Contra Celsum, Orígenes escreveu que “para
aqueles que o viam, [Jesus] não aparecia da mesma forma para todos”.
(Tipo) São Cirilo
O autor do texto assina como São Cirilo de Jerusalém, um
santo que viveu no Século 4 – da mesma forma que ocorre com diversos outros
textos antigos, segundo van den Broek. Além disso, o autor alega que teria
encontrado em Jerusalém (atualmente no território de Israel) um livro com
relatos feitos pelos apóstolos sobre a vida e a morte de Jesus.
Van den Broek considera que essa alegação seria um recurso
para “aumentar a credibilidade das visões peculiares e dos fatos não canônicos
que ele vai apresentar, atribuindo-os a uma fonte apostólica”, estratégia que
seria encontrada “frequentemente” na literatura copta.
Outro aspecto intrigante do texto é o fato de ele apontar
que a “Última Ceia” teria ocorrido com Pilatos e, além disso, em um dia da
semana diferente do que é celebrado há quase dois mil anos. “[...] É fora do
comum que Pseudo-Cirilo relate a história da prisão de Jesus na noite de
terça-feira, como se a história canônica de sua prisão na noite de quinta não
existisse”, diz van den Broek.
Van den Broek explicou que “no Egito, a Bíblia já havia se
tornado canônica no quarto/quinto século, mas histórias apócrifas e livros
permaneceram populares entre cristão egípcios, especialmente entre monges”.
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